“Para falar sobre compostagem, resíduos ou lixo precisamos falar antes de consumo, porque são coisas atreladas. Geramos muito lixo, mas não percebemos o impacto gerado, nem o potencial desperdiçado. Todo dia, colocamos nosso lixo em sacos, coletados e levados para um lugar que não vemos. Creio que aí esteja a origem do problema. Somos uma sociedade que consome demais, descarta demais e não sabemos para onde isso tudo está indo”.

Lucas Chiabi começou assim sua apresentação na 9ª edição do Ciclo de Humanização do Pro Criança Cardíaca – “Como aumentar seu impacto positivo” – realizado online nesta segunda-feira, dia 17 de maio, e aberto ao público. Chiabi é fundador do Ciclo Orgânico, engenheiro ambiental formado pela UFRJ, empreendedor e entusiasta da compostagem. Ele se dedica a transformar o lixo orgânico em adubo nas cidades, através das coletas domiciliares que atende mais de 2.300 famílias na cidade do Rio de Janeiro.

Ele diz que, se fizéssemos um raio-x do nosso lixo, nas grandes cidades, veríamos que mais da metade do que descartamos todos os dias é resíduo orgânico, ou seja, sobras de alimentos: frutas, verduras, sobras de refeições, cascas de ovo, sachê de chá, borra de café etc. No Brasil, esse percentual é de 52% do lixo de cada casa. Porém, em países com situação econômica melhor, a quantidade de lixo orgânico diminui, enquanto aumenta a de embalagens. “O fato é que, se conseguirmos dar um destino para o resíduo orgânico, resolvemos esse desafio. A reciclagem de embalagens ficaria muito mais fácil, indo para o aterro sanitário apenas o que é rejeito, entre 10 a 20% do lixo, o que estenderia bastante a vida de um aterro”, destaca.

Apenas na cidade do Rio de Janeiro, segundo ele, são 10 mil toneladas de lixo a cada 24 horas, algo como 1,5 Kg por habitante/dia. Ao chegar num lixão ou num aterro sanitário, por ser um ambiente anaeróbico, sem oxigênio, esse lixo acaba gerando emissão de metano, que é um gás de efeito estufa 25% mais poderoso que o CO2. “Além de impacto local – cheiro, vetores, geração de chorume, por exemplo – também é um problema global, de alteração climática; sem falar em toda a energia que gastamos para tirar o lixo dos bairros todos e levar para Seropédica, que fica a mais de 80km do centro da cidade”, diz. Vale ressaltar que o índice de reciclagem no município é menor que 3%.

“Apesar de todas as conquistas da humanidade, devemos nossa existência a uma camada de 30cm do solo, a mais superficial”

É aí que entra a compostagem, uma ferramenta poderosa para transformar essa realidade. “É um processo biológico. Trabalhamos com os fungos, as bactérias, que na natureza já fazem esse trabalho de transformar a matéria orgânica em adubo, em solo fértil. Só que na compostagem criamos um ambiente ideal para que os microorganismos transformem todo o resíduo em adubo no menor tempo possível”, explica. “A compostagem demora entre quatro e cinco meses para ficar pronta e dizemos que é como preparar um jantar para esses organismos”.

Os ingredientes do processo são divididos em duas categorias:  os verdes, mais úmidos e que dão mais cheiro; e os marrons, que são secos, ou seja, folhas secas, serragem, jornal, papelão, madeira. Quando eles são combinamos de forma balanceada, cria-se uma situação perfeita. O oxigênio entra no meio e as bactérias trabalham melhor. Isso que faz com que não dê cheiro, não dê vetor. A equipe o Ciclo Orgânico faz essa combinação numa composteira, coloca as bactérias que já estão no solo da própria floresta ou algum adubo que já esteja ativo e as bactérias começam a trabalhar. A temperatura pode chegar ao pico de 70 graus, o que é muito importante para microorganismos que gostam desse calor. Nas composteiras quentes, é possível processar osso, gordura, resíduo de carne, agroindustrial etc.

“Depois de quatro, cinco meses, o composto já está pronto, não tem mais cheiro e tem textura homogênea de terra. Peneiramos e entregamos para os clientes usarem em suas hortas, jardins, reflorestamento. O solo passa ter mais vida, uma estrutura melhor para as plantas, que conseguem acessar mais os nutrientes.  A compostagem nutre a camada mais superficial do solo, que é a que mantém a vida”, conta.

Chiabi cita uma frase que gosta muito de usar: “Apesar de todas as conquistas da humanidade, devemos nossa existência a uma camada de 30cm do solo, a mais superficial”. Apesar disso, a forma como fazemos agricultura, hoje, é degradando essa camada.

O CICLO ORGÂNICO

Chiabi contou a história de como chegou a fundar o Ciclo Orgânico, do seu sonho de criança, de ser motorista de caminhão de lixo (para levar aquilo tudo para casa), passando pela opção de cursar Engenharia Ambiental e o envolvimento com um projeto de extensão de compostagem na faculdade, que foi crescendo rápido ao longo dos anos. “Eu me encantei pela transformação de algo que ninguém valoriza em um produto tão valioso”.

Ele estudou mais o assunto, fez um estágio numa grande empresa de compostagem que processava 25 toneladas de resíduos por dia, até que sua esposa o inscreveu num programa de empreendedorismo da Shell, que ajuda jovens a criar projetos com algum tipo de impacto social ou ambiental. E foi lá que surgiu a ideia de replicar o baldinho que sua família usava em casa para outras pessoas. “Mesmo morando em apartamento, sem espaço para ter uma composteira, criar minhoca em casa, eu, meus pais e irmãos conseguíamos compostar 100% do orgânico”, relembra.

Chiabi afirma que, para conseguir adesão das pessoas ao projeto, o importante era que fosse prático e fácil e, ao mesmo tempo, que construísse um senso de comunidade, afinal, muita gente deixa de fazer esse movimento porque todo o entorno continua sem separar seu lixo. “Por isso, todo mês, informamos o que cada pessoa – e todo mundo que participa – deixou de mandar para o aterro sanitário, o tanto de adubo que ajudou a gerar, para que ela perceba a diferença que ela está fazendo”.

COMO FUNCIONA?

O Ciclo Orgânico funciona com um modelo de assinatura. O cliente recebe um baldinho e opta pela coleta (que é feita de bicicleta) semanal, quinzenal ou mensal; isso depende do tanto de lixo que cada casa gera, de quantas pessoas moram no lugar. O resíduo é levado para compostagem e, ao final de cada mês, cada assinante recebe adubo e semente de hortaliças, para que feche o ciclo: se quiser começar uma hortinha em casa para gerar alimento, mais resíduo, mais adubo, mais alimento…

O Ciclo começou em 2015, com baldinhos para os amigos, a reforma de uma bicicleta velha para coleta e parceria com o Parque do Martelo, no Humaitá para montar as composteiras em troca de adubo. Hoje a coleta é feita com triciclo, devido à demanda. Em cinco anos foram: mais de 1.550 toneladas de resíduo coletado, 950 toneladas de composto orgânico produzido e mais de 1.180 toneladas de CO2 (equivalente ao que 1.180 carros emitiriam ao longo de um ano inteiro).

“A compostagem é a parte mais fácil do processo. Nesse tempo percebemos que o desafio é muito mais humano do que técnico. Como convencemos mais pessoas, como abordamos, como sensibilizamos, como divulgamos num condomínio, por exemplo, onde pode haver uma pessoa super engajada, mas outra com uma mentalidade antiga que pode pensar ‘como vou separar e ainda ter que pagar pela coleta’? Construir um habito, mudar a cultura é o que leva mais tempo para superar. Percebemos que a melhor forma é compartilhar a experiência do seu baldinho com os vizinhos, parentes, amigos. É bacana ver como o movimento cresce no boca a boca”, diz Chiabi, que menciona o trabalho árduo dos ciclistas do Ciclo Orgânico que pedalam muito, levando bastante peso, mas que se sentem reconhecidos pelos clientes.

A coleta continua sendo feita de bicicleta, mas elas se encontram em alguns pontos e o lixo vai de caminhão até Caxias. O sonho de menino, de virar motorista de caminhão de lixo, se realizou, mas Lucas Chiabi ainda batalha para que, um dia, cascas e restos de alimentos sejam tratados como recursos valiosos.

Estamos com você, Lucas. Vamos juntos!