Fez mais de 70 anos que Maria do Céu dos Santos Mendes conheceu Julio de Miranda Rodrigues. Moravam em Portugal, na mesma rua, na região de Viana do Castelo. Eles se apaixonaram, se casaram e começaram a vida juntos no Rio de Janeiro. Tiveram cinco filhos: Sônia, Sandra, Solange, Luis Felipe e Marco Antonio (in memoriam) e têm seis netos. Em 26 de junho de 2022, Maria do Céu faleceu. Deixou muita saudade e uma família amorosa e unida.

“Dá vontade de pegá-la de volta. Às vezes, vou para um cantinho, choro, aí me lembro de como minha mãe era forte e colocava todo mundo para seguir adiante. Respiro, agradeço pelo tempo que ela passou conosco e volto ao trabalho, com a certeza de que ela está bem”, revela Solange Mendes, cardiopediatra do Pro Criança Cardíaca e médica intensivista infantil. Numa conversa emocionada com a equipe do blog do projeto, ela contou um pouco sobre sua história.

Apesar de ter um apartamento na Barra da Tijuca há mais de dez anos, Solange optou por continuar morando na mesma rua que seus pais, na Tijuca. Da varanda acenava todos os dias para a mãe, dava bom dia, boa tarde, boa noite. Nos fins de semana, a turma se reúne faça chuva ou faça sol: irmãs, o irmão e a esposa, os maridos e netos, um encontro ainda mais necessário agora, depois que o patriarca perdeu sua companheira de vida inteira.

“Aqui no Brasil temos apenas meus pais. Meus avós, tios e primos ficaram em Portugal e em outros países. Acho que esse é um dos motivos pelos quais somos grudados. Estamos sempre presentes uns na vida dos outros, todos se ajudam. É muito engraçado quando alguém fica doente e todo mundo vai acompanhar, até porque eu, minha irmã Sandra e meu irmão Luis Felipe somos médicos, ela é dermatologista e, ele, cirurgião vascular. A mais velha, Sônia, é administradora”, conta.

Solange é mãe da Mariana, que tem 12 anos, e é casada há 18 anos com Carlos Eduardo. Ele é gestor de TI, mas, quando conheceu sua companheira, era fisioterapeuta infantil no Instituto Nacional de Cardiologia. Solange diz que o marido é apaixonado pelas crianças e elas por ele. Hoje, ele continua trabalhando cercado delas, só que na Escola Americana do Rio de Janeiro. “E você sabe que ele foi paciente da Dra. Rosa Celia quando era adolescente e estava hipertenso por conta de sobrepeso? Meu caminho até conhecer a Dra. Rosa foi muito interessante… O avô do meu marido a ajudou, quando ela morava num internato aqui no Rio; anos depois meu sogro a conheceu por conta do tratamento do Cadu. E eu fui apresentada a ela pela Dra. Isabela Rangel (diretora médica do Pro Criança) sem saber de nada disso”.

Do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ, onde era cardiologista infantil, Solange começou a trabalhar no CTI do Hospital Pró-Cardíaco. Lá, conheceu a Dra. Rosa e, logo depois, foi chamada para fazer parte do grupo de cardiologistas coordenado pela fundadora do Pro Criança.

Além dos atendimentos às crianças e adolescentes do projeto e no seu consultório particular, há 25 anos Solange também continua em atividade como intensivista em UTI infantil, a despeito da grande disponibilidade de tempo e de preparo emocional que esse trabalho exige. “As noites de sofrimento são comigo, estou com eles no momento da dor mesmo, na madrugada, quando o coração da mãe aperta. Tenho paixão pela medicina intensiva e é muito bom quando os vejo no consultório e sinto o vínculo forte que formamos”.

No Pro Criança Cardíaca, na primeira consulta depois do falecimento de D. Maria do Céu, Solange atendeu um paciente que também havia perdido a mãe. “Foi uma troca de sentimentos muito especial”, diz. A ligação com as crianças do projeto continua pela vida toda. “Meninas que operei quando eram crianças e que hoje estão com 30 anos, me mandam direct perguntando se podem tomar cerveja, se podem fazer chapinha. São moças que viraram minhas amigas. É muito gratificante”.

Gostou de conhecer um pouco da Dra. Solange? Vamos ao ping-pong com ela?

Qual seu filme favorito? (pode ser livro também, ou ambos)
Um livro que me marcou muito, de leitura extensa, foi “Médico de homens e de almas: a história de São Lucas” (Ed. Record). É um livro lindíssimo, independentemente de religião. Já emprestei, já levaram, já comprei outros. Lucas era uma pessoa que se importava com o sofrimento dos doentes, oprimidos e pobres, era um médico de coração generoso, tanto que o Dia do Médico é comemorado em 18 de outubro, Dia de São Lucas. 


Que comida faz você suspirar?
Cuido da minha alimentação há anos, pela saúde mesmo, trago minha comida de casa, sou toda organizada, mas as massas me tiram o juízo. Um prato que eu amo e não sei fazer é o talharim paglia e feno aos quatro queijos, é a minha paixão. 


No seu tempo livre você gosta de….
Atividade física. É para onde canalizo minha força, minha energia. Aos sábados, domingos e feriados, depois da visita ao CTI, enquanto minha filha dorme, aproveito cada minuto e corro para a academia. Isso faz bem para o corpo, para a mente, começando ou terminando o dia, fazer exercícios físicos energiza, organiza os pensamentos. 


Que pessoa você admira muito?
Tenho admiração por toda a minha família, pela Dra. Rosa, pelas minhas chefes, pela Mitzy (Mitzy Cremona, diretora executiva do Pro Criança Cardíaca), exemplo de reconstrução, de força para se reerguer linda!. Admiro a Rosana Bernardes, estilista que tem uma força de trabalho absurda e acolhe todo mundo.

Agora, caio de paixão mesmo é pelo meu irmão. Para mim, ele é como um anjo aqui na Terra. Tem menos de 40 anos, três filhas pequenas e eu fico me perguntando como ele consegue ser tão íntegro, tão pai, tão trabalhador, tão cuidadoso com a esposa e, além de tudo, sempre presente quando a gente precisa, de um jeito tão natural. Ele é uma pessoa de muita fé, minha mãe morreu nos braços dele. É preciso ter muita força, muita dignidade para encarar um momento como esse.


Qual sonho seu já virou realidade?
Ser mãe. Demorei cinco anos para conseguir, perdi dois bebês e tive minha filha. É um presente para mim.


Qual sonho quer realizar?
Gostaria de voltar no tempo e ter minha mãe de volta.


O que você mais gosta em você?
Minha força de trabalho, é do que mais me orgulho. Vou fazer 50 anos e, desde que me formei, trabalho de segunda a segunda, sábado, domingo, feriado, todas as noites. Todos os carnavais, natal, réveillon, É uma doação e eu gosto, sinto falta. Prefiro ofertar cuidado do que ficar em frente à TV, lendo um livro, indo ao teatro, à praia. É uma paixão e uma sensação única saber que já contribuí para que tantas crianças voltassem para casa.

Perdi um irmão quando ele tinha apenas cinco anos. Morreu dormindo, de morte súbita. Quando minha mãe foi acordar o filho ele não estava mais vivo. Ela foi com ele nos braços e entregou para os médicos. Eu cresci presenciando essa dor da minha mãe e jurei para mim que ajudaria as crianças.

Que frase inspira sua vida?
“O mundo pode até fazer você chorar, mas Deus te quer sorrindo”. É  o trecho de uma música católica chamada “Noites traiçoeiras”. Quando estou cansada, no plantão, quando me pergunto “O que eu tô fazendo aqui?”, eu me lembro dessa frase. Gosto tanto dessa música que ela foi cantada na cerimônia do meu casamento e tocou no enterro da minha mãe. É impossível ser feliz 24h, a vida não é assim, mas devemos focar nas coisas positivas, nos cercar delas, e não das negativas. Quando fraturei meu braço porque tropecei numa pedrinha de nada, poderia ter acontecido algo mais grave. Precisamos ser mais gratos com a vida.

Ajudar os outros é…
Para mim, é me ajudar.  Estou me ajudando quando faço o bem.

Trabalhar no Pro Criança…
É um sonho, um merecimento conviver com a Dra. Rosa e com todos da equipe há mais de 20 anos. É um lugar de paz, de trocas muito boas com as mães, com as crianças, onde podemos atuar de forma correta, com integridade, onde praticamos o amor e a caridade. Aqui eu me sinto completa, como ser humano e como médica.