A nutricionista Maria Eugênia Deutrich foi a convidada para a LIVE da Pro Criança Cardíaca do dia 20 de maio. Maria Eugênia trabalha na área há 10 anos, atualmente é supervisora de Nutrição do Hospital Pediátrico Pro Criança Jutta Batista e também voluntária da instituição fundada e presidida pela Dra. Rosa Celia, onde dá todo suporte nutricional para as crianças carentes da Instituição. Entrevistada pela Dra. Isabela Rangel, diretora médica da Pro Criança, Maria Eugênia falou sobre os impactos da quarentena na rotina alimentar das crianças. Também deu dicas para driblar esse período de instabilidade mantendo a qualidade do que se come em casa. Confira os destaques dessa conversa tão esclarecedora e útil para as famílias:


Antes de entrarmos no assunto na entrevista, conta pra gente como surgiu a ideia de ser voluntária?
Trabalho no hospital há quase cinco anos e acabamos tendo contato com os pacientes da Instituição, pois muitos deles operam lá. E como vi que na Instituição não havia nutricionista que fizesse um acompanhamento nutricional e
, às vezes via que um paciente não tinha alimentação adequada, estava emagrecido ou com excesso de peso, me veio essa ideia de ajudar essas crianças que precisavam de alguns ajustes na alimentação e não tinham condição de bancar um atendimento nutricional. E pela questão de ajudar mesmo, que é importante e faz bem pra todo mundo. As crianças vêm de longe, esperam pela consulta, é muito gratificante. Tivemos que suspender um pouco por causa da pandemia, mas em pouco tempo já tivemos resultados positivos. É algo que nos enche de esperança pra dar continuidade a um trabalho que é tão bacana.

Então vamos começar as perguntas?
Como manter uma rotina de alimentação e qual a importância de hábitos alimentares saudáveis, principalmente nesse período?
Principalmente o que eu falo para as mães nesse peodo. Como as crianças estão sem sua rotina habitual, de acordar, tomar café, ir pra escolas, ter uma atividade extraclasse, a  a alimentação acaba mudando também, mas é muito importante que as famílias mantenham a rotina de tomar café da manhã, almoçar, jantar. A grande maioria das crianças está tendo aulas, mesmo que à distância, então a alimentação é importante pra isso também. Além disso, elas precisam estar bem nutridas nesse período, muito mais seguras se pegarem alguma doença, o coronavírus, que seja. A resposta imune delas será bem melhor. Se as crianças não têm hábito de consumir legumes, verduras e frutas, que são ricas em vitaminas e minerais, os pais devem estimular. Não existe alimento específico que aumente a imunidade. O importante é ter fontes proteicas, de carboidrato, fontes de gordura boas, vitaminas e minerais, e que as crianças se mantenham bem hidratadas. O principal recado é manter a rotina alimentar das crianças.

Algumas crianças estão tendo aulas online e outras não. Muitos pais ficam na dúvida: acordam a criança para tomar o café da manhã ou deixam dormir até mais tarde?
É claro que as crianças que acordavam às 6h para ir para a escola não precisam acordar tão cedo. Mas não vejo vantagem também em deixar a criança dormir até a hora do almoço, pular refeição, o café da manhã que é tão importante
. Até porque se ela acordar só para almoçar, vai acabar dormindo tarde e vai se tornando um ciclo vicioso. A criança pode acordar por volta das 9h, o hábito alimentar do café da manhã na infância é muito importante. Há vários estudos relacionando crianças que não consomem café da manhã com obesidade futura. A criança passou a noite toda em jejum, estava dormindo. Quando ela acorda precisa consumir uma boa refeição até para o desenvolvimento escolar. Há pesquisas que indicam que crianças que tomam café da manhã têm melhor rendimento escolar. E crianças pequenas estão em formação dos hábitos alimentares. Por isso desde cedo devemos manter a rotina, para que seja levado mais adiante.

E o sono? Acho que as crianças precisam ter uma regra de sono, né?
Sim, esse período não é férias. Manter a rotina
também será útil para quando as coisas normalizarem, ser mais fácil a readaptação.

Como criar regras para evitar guloseimas e os refrigerantes?
Isso tem que ser bem conversado com a família. Sou de uma linha que defende que esse alimentos não devem ser proibidos, se a família não tem o habito de consumir não deve oferecer de jeito nenhum, mas, se já é um habito na casa e a criança gosta, não há porque proibir, até porque pode gerar uma compulsão no futuro, quando é ofertado. É possível fazer um acordo: comer nos fins de semana, numa data especial, num aniversário. Tem que ser estipulado, esporádico, só não pode se tornar uma rotina. Agora, se houver opções mais saudáveis, melhor. Por exemplo, um bolo de chocolate, sabemos que leva muito achocolatado, muito açúcar, podemos fazer uma receita com açúcar demerara, um chocolate 70%. Dá pra tentar fazer substituições também. Uma vitamina de abacate com cacau e mel e fazer um mousse de chocolate, bater a banana e congelar tipo sorvete, pode fazer com manga, morango. Tem as frutas secas, tâmara, damascos, um chocolate 70% de vez em quando.

Como os pais podem aproveitar esse momento, já que estão em casa, para estimular os filhos a experimentarem novos alimentos?
O que eu vejo de positivo nessa pandemia é isso: os pais estão mais em casa agora, é um bom momento para a família fazer refeições junto. A gente sabe que os pais são exemplos para as crianças e se eles consomem alimentos saudáveis, verduras, saladas, legumes, as criançasprincipalmente as menores acabam imitando o comportamento dos pais. Outra questão também bacana é a família levar as crianças para a cozinha e fazer receitas mais saudáveis com ela: se a criança não gosta de legume, fazer um pão de queijo fake, que leva batata-doce, um bolo de cenoura. Receitas que a gente envolva os filhos e que sejam alternativas mais saudáveis. A chance de ter sucesso na aceitação desses alimentos é muito maior.

E quando a família toda está junto com a criança que tem uma restrição alimentar por sobrepeso ou obesidade, é muito mais fácil fazer com que a criança entenda que não é um castigo comer saudável…
Sim, eu vejo isso no consultório. É muito positivo porque a alimentação da família toda fica mais saudável. O engajamento é muito importante. Quando a família encara a reeducação alimentar junto com a criança, todo mundo ganha. Não adianta querer que a criança coma saudável, se a família não dá um bom exemplo.

A gente sempre fala muito da importância da atividade física como um hábito para uma vida saudável. Você tem alguma orientação sobre alimentos que possam ajudar no antes e no depois dos exercícios?
Agora acredito que as crianças estejam um pouco paradas em função da pandemia, mas fora disso vejo que elas estão bem ativas, fazem muitas atividades na escola e também extraclasse. O importante é que não se exercitem com fome. Antes da atividade podem comer algo rico em carboidrato, como uma banana, pão, para dar energia momentânea para a criança fazer o exercício; depois, um carboidrato para repor a energia gasta, combinado com uma proteína para repor as fibras musculares. As crianças que têm uma rotina de exercício devem continuar se movimentando, na medida do possível. Quem mora em casa é mais fácil, mas quem mora em apartamento também pode pular uma corda, pode ajudar nas tarefas domésticas, dependendo da idade da criança, fazer brincadeiras que gastem um pouco mais da energia, até porque vai ser importante para o sono depois. 

Dicas de quando e como pedir delivery? E como fazer compras de uma forma segura e saudável? E, por fim, qual a melhor forma de manipular e higienizar os alimentos nesse período da epidemia?
Sobre delivery de forma geral, se você consegue fazer o pagamento via aplicativo mesmo para evitar contato, melhor, e na hora da entrega a gente deve receber a pessoa de máscara. Se pediu alimentos prontos, é bom aquecer um pouco ainda essa refeição, botar a pizza no forno como medida de segurança. Não se deve usar álcool gel para limpar embalagens, ele é feito para usar nas mãos. Como ele é pegajoso, micropartículas podem grudar nas embalagens.

Nas entregas de mercado, usar álcool 70 para higienizar as embalagens e descartar tudo o que for possível. Por exemplo, o café que vem numa caixa, você pode jogar a caixa fora e botar no armário o café no saco, apenas. O arroz, colocar em um recipiente quando chegar da rua e jogar a embalagem fora. Tentar evitar produtos a granel ou fatiados na hora, se há a opção do produto já embalado de fábrica.

Caso seja necessário sair de casa para ir às compras, escolher um lugar de confiança, um mercado que esteja cumprindo os protocolos de segurança, limitando a entrada das pessoas. Fazer uma lista grande para evitar precisar ir com tanta frequência, por mais que pessoa gente goste de fazer compras. Se puder usar uma luva para escolher as frutas e legumes, é importante também, além de botar a roupa para lavar ao chegar em casa, tomar um banho, tirar o sapato antes de entrar em casa, enfim, todas as medidas estamos tomando nesse período.

Em relação à higienização de frutas e legumes, a orientação é higienizar antes de guardar na geladeira: uma colher de água sanitária para 1 litro de água, deixar as frutas e legumes de molho por aproximadamente 15 minutos, depois enxaguar e guardar em potes na geladeira, prontos para o consumo. A água sanitária, ou pastilhas e gotinhas específicas para higienização de alimentos vendidas nos mercados, matam qualquer patógeno nos alimentos, como costumamos chamar. O detergente não substitui esse produtos, e não temos comprovação de que seja eficaz.

Uma pergunta de quem está no assistindo: “Qual o melhor snack para servir quando eu estiver cuidando dos meus sobrinhos?
Se a gente tiver tempo de preparar o snack é bem melhor. Cortar palitinhos de cenoura, tomatinho cereja, milho pequenininho em conserva, biscoitinho de polvilho, diferentes tipos de fruta picadinhas no palito de churrasco, pão de queijo caseiro, dadinho de tapioca…tem muitas opções mais saudáveis.

Outra pergunta: “Bolachinha de gergelim com requeijão, pode?”
Depende da composição do produto. Quanto menos embalagens a gente puder abrir, e quanto mais coisas puder descascar, melhor. Muita gente acha que o pão francês é um vilão, mas se compararmos com as bisnaguinhas embaladas, quanto tempo elas duram, quantos conservantes são usados para isso? A mesma coisa o requeijão. Escolher produtos com farinha integral, livre de gordura trans, aprender a ler os rótulos é importante. Podemos marcar uma outra LIVE só sobre isso, para ajudar as pessoas a lerem os rótulos.

Um comentário aqui: “E quem tem alergia à água sanitária?”
Então, a gente encontra no mercado com facilidade que estão essas pastilhas ou gotinhas que pingamos direto na água. Esses produtos não têm cheiro, eu uso na minha casa, é uma ótima opção.

Para terminar, uma pergunta pessoal: por que você escolheu a Nutrição?

Desde pequena sempre gostei de me alimentar bem, acho que tenho uma relação muito legal com os alimentos, gosto de ir pra cozinha, cozinhar. E sempre tive um pouco dessa questão de cuidado com as pessoas. Sempre quis ser nutricionista, mas não queria ser médica, então me encantei pela parte clínica e hospitalar, porque realmente eu gosto de estar naquele meio ajudando a criança a ganhar um pouco de peso para ser operada, ou fazer uma dietinha para receber alta…

Você se veria em outra área da Nutrição? Ou você se encontrou mesmo na hospitalar, muitas vezes tendo que cuidar de pacientes mais críticos?…
Desde o ano passado estou na supervisão da Nutrição do hospital e tenho a oportunidade de ver um pouco de tudo, da clínica e da produção também: cozinha, alimentação dos colaboradores, porque não é só a alimentação dos pacientes, mas do hospital como um todo. Acho que me veria em todas as áreas da Nutrição, porque gosto de todas, mas a que me dá mais prazer mesmo é a hospitalar, saber que estou proporcionando uma oportunidade que a pessoa não teria se você não estivesse lá, realmente é muito gratificante.