Por que um ultramaratonista foi o convidado do 17o Ciclo de Humanização do Pro Criança Cardíaca? Simplesmente porque Márcio Villar, 55, criou uma motivação para impor desafios cada vez maiores ao seu corpo: a filantropia. Há 20 anos, ele corre para ajudar instituições sem fins lucrativos, como o Pro Criança Cardíaca.

No dia 4 de abril de 2022, Márcio esteve no auditório do projeto, em Botafogo, no Rio de Janeiro, para dividir sua história. O evento é aberto ao público, realizado na primeira segunda-feira de cada mês e também veiculado ao vivo pelo YouTube do Pro Criança.

No final de 2002, Márcio era mais um chefe de família carioca e sedentário. Com 98 quilos, foi no dia em que perdeu um ônibus, por não conseguir alcançá-lo, que percebeu o que estava fazendo consigo mesmo. Decidiu mudar e, no dia seguinte, abandonou a comida de má qualidade e começou a correr perto de sua casa.

Passo a passo, foi tomando gosto pelo exercício diário e despretensiosamente se inscreveu numa corrida de rua. Com esforço, conseguiu completar os quatro quilômetros do trajeto e ganhou sua primeira medalha, ainda obeso. O Rio de Janeiro tornou-se pequeno para o seu ritmo e Márcio foi perdendo gordura e ganhando saúde e perseverança.

Aventurou-se em provas pelo Brasil, sempre voltando para casa com um troféu na bagagem. Em algumas competições arriscou sua vida, como em 2008 na Jungle Marathon, onde, no meio da floresta amazônica, se deparou com escorpiões, jacarés e até uma onça pintada.

Seu maior desafio, no entanto, foi a Arrowhead, nos Estados Unidos, realizada numa temperatura que chega a 40º abaixo de zero: participou com equipamento inadequado, quase teve os pés amputados e foi forçado a desistir. Mas não. Isso só fez aumentar sua obstinação para, um ano depois, voltar e finalmente vencer mais este desafio. Ele também foi o único atleta do mundo a cruzar a linha de chegada de todas as provas do BAD135 World Cup, o principal circuito de ultramaratonas do mundo.

Márcio poderia ser mais um ultramaratonista de sucesso, mas resolveu dobrar, triplicar as distâncias das provas e vincular cada desafio a uma causa social. “Escolher quem vou ajudar é o mais importante. É isso que me dá força, é assim que consigo enganar minha mente” diz. “Meu corpo demora 12 horas para aquecer. Depois desse tempo, posso correr vários dias. E quando penso que, se parar, deixarei de ajudar a salvar vidas, eu continuo”.

E foi assim quando ele decidiu entrar para o Guinness, o livro dos recordes. Percorreu 827,16 quilômetros  em uma esteira, por sete dias, no Américas Shopping, Barra da Tijuca, no Rio. A distância equivale a quase 20 maratonas. A estrutura montada permitia que outras pessoas corressem ao lado dele e todos que participaram contribuíram para a campanha que recolheu, na ocasião, mais de 1.200 latas de leite em pó para o Instituto Nacional do Câncer (Inca), local onde sua mãe foi curada da doença.

“Eu descobri a força mental, durmo e acordo me imaginando conquistando aquilo, mas, é claro, é preciso fazer por onde, ter força de vontade. Sentado, esperando as coisas acontecerem, a gente não consegue nada”, destaca o atleta, que conseguiu superar uma doença rara cujo tratamento com corticoides destruiu suas articulações do fêmur e da coluna, levando-o a cirurgias que poderiam tê-lo feito parar de correr para sempre.

Dra. Rosa Celia, presente à palestra, se identificou com o relato de Márcio, repleto de foco, determinação e perseverança, qualidades que a fundadora e presidente do Pro Criança Cardíaca sempre reforça em seus depoimentos: “Sua história é estimulante, parabéns! Foi uma honra poder ouvir um aprendizado para todo mundo”, disse Dra. Rosa.

Em maio deste ano, na cidade de Cabo Frio (RJ), Márcio Villar completa 20 anos competindo na prova Rei e Rainha do Mar, ajudando a arrecadar leite em pó para o Pro Criança. “Não faço mais do que a minha obrigação ao ajudar os outros. Todo mundo deveria fazer um pouquinho. Se decidir reunir os amigos em um evento, peça doações; cada um traz uma coisa e a corrente vai aumentando”.

Por fim, ele revelou que ainda tem o desejo de conseguir apoio para subir o Monte Everest. “Minha esposa disse que vai embora de casa se eu fizer isso”, contou, para gargalhada do público.